O calendário apertado, em meio às eleições presidenciais, o grande número de projetos e a complexidade de algumas propostas devem atrapalhar os planos do governo do presidente Michel Temer de concluir ainda neste ano parte significativa dos projetos de concessões e privatizações, uma das bandeiras da atual gestão. Sem eles, o governo corre o risco de perder receitas de, ao menos, R$ 17,1 bilhões, segundo valores listados no Orçamento. Os recursos são considerados fundamentais para fechar as contas públicas deste ano e impulsionar investimentos.
Segundo analistas, os projetos que enfrentam mais entraves incluem a privatização da Eletrobras, responsável, sozinha, por uma receita estimada de R$ 12,2 bilhões; a concessão de 13 aeroportos, que poderia render ao menos R$ 3,7 bilhões aos cofres públicos; a da Loteria Instantânea (Lotex, a “raspadinha”), com valor previsto de R$ 958 milhões; e a de ferrovias, com R$ 274 milhões. Os números constam do detalhamento do Orçamento deste ano, que estabeleceu como meta que o rombo não pode ultrapassar R$ 159 bilhões.
Para especialistas, a carteira de projetos tem potencial para atrair uma gama variada de investidores estratégicos e financeiros. O problema é cumprir o cronograma, ainda mais num ano de eleições. O governo reconhece que é um “desafio”, mas garante que vai finalizar tudo este ano. A privatização da Eletrobras, por exemplo, enfrenta forte resistência política, principalmente nas bancadas do Nordeste e de Minas Gerais. O presidente Michel Temer, porém, decidiu enviar o projeto de lei ao Congresso hoje. A medida deve funcionar como uma sinalização positiva a investidores no Fórum Econômico Mundial, em Davos.
Para o advogado Fernando Vernalha, sócio do escritório VG&P, a maior parte dos projetos é complexa, de longo prazo e requer tempo de preparação.
— Não sabemos o quão evoluído o governo está em relação a muitos projetos. A estrutura de concessões é limitada, apesar de muito boa, mas é uma equipe pequena. Existe um receio de que o governo não consiga colocar na praça todos esses projetos — disse Vernalha.
RISCO ELEITORAL NAS CONCESSÕES
Caso o governo conseguisse levar adiante a concessão à iniciativa privada dos 75 projetos previstos no total, poderia atrair R$ 132,7 bilhões em investimentos.
A principal dúvida no mercado é com relação aos leilões de ferrovias, mesmo após o ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Moreira Franco, responsável pelo Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), ter afirmado recentemente que esse modal será prioridade para o governo neste ano.
A União pretende fazer ao menos três leilões de ferrovias em 2018: o da Norte-Sul, entre Tocantins e São Paulo; o da Ferrogrão, entre Mato Grosso e Pará; e o da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), entre Tocantins e Bahia. Além disso, há renovações antecipadas de concessões existentes em troca de mais investimentos. Apesar das demonstrações de interesse do mercado, principalmente na Norte-Sul, analistas apontam a complexidade no modelo das licitações e a falta de um marco regulatório consolidado como entraves.
— As ferrovias não têm um passado de sucesso. O setor é sempre uma dúvida. O governo da ex-presidente Dilma Rousseff já teve esse mesmo tipo de manifestação em prol das ferrovias. É uma pauta conhecida, os governos estão se sucedendo e não estão colocando os projetos de pé. Tem toda uma questão de marco regulatório e de como o mercado se adapta — disse Renato Kloss, sócio do setor de infraestrutura do Siqueira Castro Advogados.
A ideia inicial do governo era conceder, já em fevereiro, o trecho da Norte-Sul, mas só após a conclusão das obras pela Valec. A construção está atrasada, e o edital deve ser alterado para que o novo concessionário assuma o restante do empreendimento. Com isso, abre-se espaço para que a licitação ocorra ainda neste ano.
O caso da Ferrogrão é mais complexo, porque é um projeto novo e com investimentos na faixa dos R$ 12 bilhões. Segundo o governo, empresas chinesas já teriam demonstrado interesse.
O governo programou para este ano o leilão de 13 aeroportos, como os de Macaé, Maceió e Recife, entre outros, e a participação acionária da Infraero em outros quatro aeroportos já concedidos (Brasília, Confins, Galeão e Guarulhos). Depois do sucesso na última licitação, a equipe econômica programa uma modelagem em que os projetos serão oferecidos em blocos. Dessa forma, aeroportos deficitários seriam leiloados junto com terminais lucrativos. Foi a forma encontrada de não deixar a Infraero apenas com prejuízos.
— É desafiador fazer neste ano essas concessões, até de aeroportos. Muito vai depender do ambiente político em meados do ano. Se tiver um viés de continuidade, as coisas acontecerão mais rápido. Se tiver um viés contrário, é natural que se coloque o pé no freio — afirmou Pablo Sorj, sócio do escritório Mattos Filho.
Há incerteza sobre como será o modelo da compra dos 49% da Infraero nos aeroportos já concedidos e o que acontecerá com a estatal — que acumula sucessivos rombos. Quando a venda foi anunciada, o Ministério dos Transportes informou que a operação poderia render até R$ 8 bilhões. Os recursos ficariam com a estatal.
— A Infraero pertence hoje a partido político. Tem que se discutir o modelo e o papel da empresa, porque também não pode botar na mão dela um bando de aeroporto deficitário e precisar ser socorrida pelo Tesouro — disse Claudio Frischtak, economista-chefe da Inter.B Consultoria.
No caso das rodovias — nas quais não há pagamento ao governo, e os leilões são feitos pelo critério de menor tarifa de pedágio — o Executivo prometeu a licitação de oito trechos (com três passando pelo Rio) até o fim do ano. Há dúvidas sobre a qualidade e a capacidade de retorno.
— São trechos rodoviários muito longos, com análises demoradas, e os problemas nas concessões já feitas não foram totalmente solucionados — avaliou Frischtak.
Na lista, estão estudos para uma licitação da Rodovia Presidente Dutra, que liga o Rio a São Paulo. Apesar de o atual contrato de concessão (da CCR) vencer só em 2021, a intenção é fazer uma transição “suave” para a futura concessionária.
Também está no cronograma do governo a concessão da Lotex, da “raspadinha” da Caixa. O processo está no Tribunal de Contas da União (TCU). O prazo do contrato já foi reduzido de 25 para 15 anos, para atrair mais interessados. Mesmo assim, a licitação, que foi prometida para dezembro passado, deve ser realizada só no segundo semestre. O governo também toca um estudo para a privatização da Casa da Moeda, mas não há modelo definido.
‘É QUESTÃO DE SOBREVIVÊNCIA’
O secretário especial do Programa de Parcerias de Investimentos — responsável pelas concessões —, Adalberto Santos de Vasconcelos, garante que será possível cumprir o cronograma e diz que, dos 145 empreendimentos previstos no programa, 70 ativos já foram leiloados. Para ele, o calendário eleitoral não atrapalha, já que se tratam de investimentos de longo prazo:
— É desafiadora a meta, mas o trabalho que a gente vem executando ao longo desses 19 meses do programa nos credencia a afirmar que é possível concluir esses projetos. Não é uma questão de meta de governo, é uma questão de sobrevivência do país. Não há crescimento no país de forma sustentável sem investimento em infraestrutura.
Fonte: O Globo