Sem nenhum movimento no Congresso Nacional para ser transformada em lei, a Medida Provisória (MP) 808 perdeu eficácia por decurso de prazo nesta segunda-feira (23). A norma tratava de temas como trabalho de gestantes em ambientes insalubres, jornada 12 x 36 e trabalho intermitente, e a sua não transformação em lei gera diversas questões: como ficam os contratos firmados de acordo com a MP? E, sobretudo, como fica a viabilidade da Reforma Trabalhista?
Como as mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) que seriam realizadas pela MP 808 tiveram efeito imediato, alguns empregadores podem ter assumido o risco de a MP não ser aprovada e optado por seguir suas regras para firmar contratos. Neste caso, segundo especialistas, o contrato deverá sofrer adequação.
Antes mesmo da edição, a polêmica em torno da MP de ajustes na Reforma Trabalhista sinalizava o fracasso na tramitação. Cientes de que a maioria para aprovação do projeto da reforma era muito frágil e havia o risco de derrota completa da alteração de pontos do texto que exigiriam nova rodada deliberativa na Câmara — naquele momento envolta com a 1ª denúncia contra Michel Temer — os líderes governistas fecharam o acordo pelo qual a medida provisória seria editada pelo presidente e o debate e negociação das relações de trabalho continuariam, e em ritmo mais acelerado por força das regras constitucionais de tramitação e aprovação das MP.
O problema é que o acordo foi construído apenas no Senado. Sem o aval de Rodrigo Maia (DEM-RJ), que já dava sinais de que não era o aliado “obediente” a Michel Temer que todos acreditavam. Informado do acerto entre os senadores da base aliada e o Planalto, Maia afirmou que devolveria a MP 808, ainda que o poder de rejeição das MP de ofício seja do presidente do Congresso Nacional — no caso, o senador Eunício Oliveira (MDB-CE).
Sem acordo nas duas casas legislativas para aprovação, as MP ficam paralisadas. Até a perda de eficácia. E Maia não precisou sequer articular fortemente contra a MP 808. Os próprios líderes da base aliada na Câmara tomaram frente na manobra de “rejeição” da medida.
Demoraram meses para apresentar os indicados para a comissão mista. Apenas em 6 de março, com a MP 808 já reeditada, houve quórum para eleição do presidente dos trabalhos, o senador Gladson Camelli (PP-AC). O relator-geral da medida, que pelo sistema de rodízio nas comissões seria um deputado, nunca foi indicado pelas lideranças da Câmara.
A MP 808 não foi devolvida, mas os deputados simplesmente a deixaram morrer. Deixando de lição ao experiente Michel Temer que alguns acordos precisam ser construídos separadamente, outros em conjunto. E como não há sinais de um novo acordo sobre o tema, a expectativa dos parlamentares é a de que o assunto realmente seja superado e nenhuma nova MP sobre a reforma seja proposta neste ano eleitoral — quando os parlamentares fogem de votações impopulares.
Contratos
Como explica o advogado James Siqueira, caducando a MP 808, os dispositivos não mais existirão no mundo jurídico, e com isso devem prevalecer todas as regras estabelecidas pela Reforma Trabalhista. “Não acredito que nenhum empresário ou empregador tenha utilizado as disposições da MP em contrato de trabalho, mas quem o fez, tomou uma atitude temerária”, ele opina.
A aposta dos especialistas é que os contratos firmados na vigência da MP sejam questionados judicialmente, e por isso podem ter a sua validade definida caso a caso, até um possível posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Segundo a advogada Christiana Fontenelle, do Bichara Advogados, o empregador que optou por adotar as previsões da MP o deve ter feito considerando o risco desta não vir a ser aprovada, já que as ações assumidas com base nela só trariam “segurança efetiva” após a aprovação, o que não ocorreu. “O fato é que o cenário inspira cuidados, e as empresas devem ter cautela em suas decisões neste primeiro momento até que se tenha uma definição sobre o tema”, ela afirma.
Direito processual
Seguindo o entendimento do TST, cada contrato de trabalho é regido pela lei vigente na época. Sendo assim, os contratos que são discutidos no Judiciário podem ter decisões diferentes, conforme o tempo.
De acordo com o professor de Direito Trabalhista da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Jorge Boucinhas, o processo que for julgado na vigência da MP 808 será analisado seguindo as regras da MP. No entanto, se o processo foi ajuizado durante a vigência da MP, mas a decisão só foi tomada depois que deixou de existir, o entendimento será tomado com base na Reforma Trabalhista antes da regulamentação. “É preciso dividir ato passado praticado com base na MP 808 e o ato pendente, quando vale a lei da Reforma Trabalhista”, ele afirma.
É possível citar como exemplo o tabelamento das indenizações por dados morais. Com a MP, o valor da indenização por danos morais poderia chegar até 50 vezes o valor equivalente ao teto dos benefícios pagos pelo INSS (R$ 5.645,80) e podia variar conforme a gravidade do dano sofrido. No entanto, na Reforma Trabalhista, os danos morais têm como base o salário contratual do empregado.
Segundo Boucinhas, o dano causado durante a vigência da MP 808 terá como base de cálculo o teto do benefício do INSS. “Esse modelo é bom para quem ganha pouco, mas é ruim pra quem ganha muito”, explica. Com a queda da MP, a base de cálculo passa a ser o contrato do empregado, como previsto na reforma trabalhista.
Trabalho intermitente
A Reforma Trabalhista incorporou o trabalho intermitente nas relações de trabalho, com o argumento de combate ao problema do crescente desemprego. Nessa modalidade, o contrato de trabalho diz respeito a prestação de serviço que não é contínua, ou seja, há a alternância entre períodos de prestação de serviços e inatividade.
No entanto, a reforma não tratou das consequências previdenciárias do trabalho intermitente, o que havia sido tratado apenas pela MP 808. Em coluna publicada no portal Jota, a procuradora da Fazenda Nacional Thaísa Juliana Sousa Ribeiro, afirmou que a MP inseriu o artigo 911-A nas regras de transição da CLT disposições de cunho previdenciário, que modificam totalmente as premissas em que o sistema está assentado.
Pela redação do artigo 911-A da CLT, se o trabalhador intermitente não alcançar a remuneração mensal equivalente ao salário mínimo, precisa complementar esse valor para a incidência da contribuição previdenciária, sob pena de não ser protegido pelo regime previdenciário.
“O dispositivo assevera que o complemento é uma faculdade do empregado, mas também é condição essencial para validar a retenção do empregador e gerar efeitos previdenciários. Assim, não havendo o recolhimento complementar, mesmo tendo havido a retenção da contribuição sobre os valores percebidos, pelo empregador, não haverá aquisição e manutenção da qualidade de segurado”, afirmou a procuradora.
Sendo assim, como a MP havia criado as regras da contribuição previdenciária, sem existir, o direito não fica regulamentado o que configura prejuízo para os trabalhadores.
Demais mudanças
Jornada 12 x 36: sem a MP, empregadores e empregados ficam livres para negociar a escala de trabalho, sem a participação do sindicato, para todos os setores e não apenas o da saúde, como ocorre hoje.
Trabalho de gestantes em ambientes insalubres: sem a MP, o trabalho de gestantes poderá voltar a ser permitido em ambientes com insalubridade em grau médio e leve, com exceção em caso de atestado médico.
Pagamento da ajuda de custo: a MP estabelecia o limite máximo de 50% do salário do empregado para pagamento. Agora, não haverá limite em relação à ajuda de custo.
Fonte: Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar. Com informações do portal de notícias Jota.