A recessão que castiga o mercado de trabalho e trava investimentos tem tirado oportunidades e desempregado uma mão de obra considerada importante por especialistas para o setor produtivo brasileiro aprimorar processos, incorporar novas tecnologias e aumentar a visibilidade do país no exterior. Relatório do Ministério do Trabalho mostra que, no primeiro semestre de 2016, o número de autorizações concedidas a estrangeiros para trabalharem no Brasil teve uma queda de 21% em relação ao emitido no mesmo período do ano passado. Passou de 18.213 para 14.477 vistos nos primeiros seis meses de 2016. A queda se deu na mesma proporção do recuo registrado em 2015, primeiro ano da recessão, quando os vistos para trabalho somaram apenas 36.868, frente aos 46.740 emitidos no ano anterior.
O número total de estrangeiros trabalhando no país, que vinha crescendo ano a ano desde o começo desta década, também já dá sinais de recuo, segundo levantamento da Associação Nacional de Estrangeiros e Imigrantes. No primeiro trimestre de 2016, 7.400 postos de trabalho eram ocupados por expatriados, 2.000 a menos do que no mesmo período do ano passado. Só entre 2011 e 2013, por exemplo, o número de trabalhadores estrangeiros no mercado formal de trabalho brasileiro cresceu 50,9%, de acordo com o Ministério do Trabalho.
— A crise brasileira não poupa ninguém. Nem esses estrangeiros, que são bastante qualificados. Muitos perderam seus empregos porque a empresa estava em má situação financeira. A situação econômica do Brasil também diminui as chances de outros pedirem transferência. Esperamos que, quando a economia voltar a crescer, esse quadro se reverta. O Brasil nos últimos anos foi um campo atraente para estrangeiros dos ramos de petróleo, financeiro e da saúde — conta o peruano Grover Calderón, presidente da associação de estrangeiros.
De acordo com a sócia de Gestão de Pessoas da Ernst & Young, Raquel Teixeira, numa crise, quando a ordem é cortar despesas, pesa contra o estrangeiro em relação ao trabalhador brasileiro o alto custo que tem para a empresa:
— Um expatriado é caro para a empresa porque geralmente seu contrato inclui um pacote de benefícios, além da renumeração alta. Tem o aluguel, a escola dos filhos e o carro custeados pela empresa. O que temos visto hoje é que só os estrangeiros que ocupam cargos estratégicos, essenciais para a empresa, são mantidos.
Denise Delboni, especialista em relações trabalhistas e coordenadora do curso de pós-graduação em Administração de Recursos Humanos da FAAP, observa que, neste momento, as empresas só bancam a vinda de estrangeiros se eles forem garantia de melhores resultados.
— Em tempos de recessão, a primeira coisa que a empresa pensa é: tem alguém dentro do Brasil que pode fazer esse trabalho? Se sim, ótimo — explica Denise.
PROFISSIONAIS SEM FILHOS
Mas Paulo Sardinha, presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH-RJ), conta que empresas já vêm, há algum tempo, driblando os altos custos atraindo dois perfis extremos: o profissional mais jovem, que ainda não formou uma família, ou o mais velho, cujos filhos já são independentes.
— As empresas têm criado um pacote local para os estrangeiros trabalharem no Brasil, excluindo alguns benefícios. E quem se habilita a isso? Ou os juniores ou alguém mais experiente, que só vem com a esposa — afirma Sardinha.
A queda dos investimentos no Brasil — medido pela Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), indicador do PIB que recua há nove trimestres seguidos — também explica a redução da mão de obra estrangeira no país, apontam os especialistas. A maior parte desses profissionais é empregada em multinacionais que enviam de suas matrizes pessoas para ocuparem cargos de direção, para implementarem projetos e novas tecnologias. Nestes dois últimos casos, favorece a importação a escassez de mão de obra especializada no Brasil para determinados trabalhos. Segundo Sardinha, também é bastante comum unidades de multinacionais no Brasil trazerem o diretor financeiro de sua matriz.
O dinamarquês Kim Petersen, de 37 anos, chegou ao Brasil há uma década, depois de casar com uma brasileira. O então técnico em eletrônica trabalhou inicialmente como recepcionista no Brasil, para aprender a língua local. Tão logo o boom das commodities tornou os preços do barril de petróleo atraentes e a descoberta da camada de pré-sal impulsionou os negócios nessa área, especializou-se em técnicas de perfuração e passou a trabalhar em plataformas de exploração de petróleo como engenheiro subsea, como são chamados os profissionais que atuam nas estruturas submersas.
Petersen não contava que a crise causada pela descoberta do escândalo de corrupção na Petrobras e a desvalorização dos preços do petróleo vitimassem seu setor. Foi desligado da empresa na qual trabalhava em agosto do ano passado. Com o mercado retraído pela recessão, decidiu voltar, sozinho, ao país de origem.
— Fui desligado em agosto de 2015, quando toda a equipe de subsea foi encerrada. A maior dificuldade no momento em me recolocar é a situação geral na indústria do petróleo. Viver longe da minha esposa e da minha filha é muito difícil, mas a decisão foi tomada por falta de dinheiro. Eu estou procurando um emprego aqui na Dinamarca e, ao mesmo tempo, fazendo faculdade de engenharia eletrônica — conta Petersen por e-mail.
NA DINAMARCA, ESTUDO DE GRAÇA E BOLSA
Na Dinamarca, além de estudar numa universidade pública, Petersen ganha uma bolsa de cerca de R$ 2 mil mensais para se dedicar integralmente ao curso. Está vivendo na casa dos pais para economizar. Quer voltar para o Brasil, mas só quando o mercado de trabalho voltar a ficar favorável às contratações.
De acordo com dados da Coordenação Geral de Imigração do Ministério do Trabalho, no ano passado, a maioria dos novos vistos de trabalho emitidos foram para homens, com idades entre 29 e 49 anos. Quase a metade da mão de obra estrangeira que entrou no país em 2015 tinha completado o ensino superior. Dos Estados Unidos, veio o maior grupo: 5.520 trabalhadores.
— É muito importante as empresas contarem com mão de obra estrangeira, pois isso aumenta seu repertório de soluções para questões como a baixa produtividade, ela ganha visões diferentes sobre um mesmo processo ou problema, ganha em transferência de tecnologia, melhora a imagem do Brasil lá fora e pode gerar novos negócios — enumera Denise.
Um levantamento realizado pela empresa de recrutamento e seleção Vagas.com mostra que também caiu o interesse dos estrangeiros em trabalhar no Brasil. O número de novos currículos cadastrados por estrangeiros no portal caiu 69% em dois anos — de 6.047 enviados entre janeiro e setembro de 2014 para 1.902 nos mesmos nove meses de 2016. No mesmo período de comparação, caiu 61% o número de candidatos estrangeiros a vagas de trabalho abertas, de 52 mil em 2014 para 20 mil em 2016.
— Em 2012, 2013, tínhamos um volume muito interessante de estrangeiros no Brasil. Vinham porque os salários eram atraentes e ganhavam em euro, dólar. Hoje, as condições mudaram e ele pensa duas vezes antes de transferir sua vida para cá. Eram muito requisitados para projetos pontuais, que duram de dois a três anos. Geralmente, têm um conhecimento técnico apurado raro de ser encontrado no Brasil — analisa Rafael Urbano, da área de Inteligência de Negócios da Vagas.com.
No Brasil, os trabalhadores estrangeiros empregados no mercado formal também são protegidos pela CLT, como qualquer outro trabalhador local. O visto de trabalho tem de ser requisitado pela empresa que vai contratá-lo. Ela também fica responsável, de acordo como o Ministério do Trabalho, pela repatriação do profissional, quando necessário.
Há dois tipos de vistos: temporário e permanente. O primeiro é dividido em quatro categorias: até 90 dias, até um ano, até dois anos com contrato de trabalho no Brasil e até dois anos sem contrato de trabalho no país. O visto permanente pode ser requerido depois de dois ano de trabalho, desde que o estrangeiro permaneça com vínculo empregatício aqui.
A sócia de Gestão de Pessoas da Ernst & Young observa que os vistos são concedidos somente quando a empresa comprova que aquele profissional possuiu capacidade ou habilidade técnica escassa no Brasil, como forma de proteger a empregabilidade do trabalhador brasileiro.
Por e-mail, o Ministério do Trabalho informou ao GLOBO que as exigências mais comuns na concessão dos vistos se referem à escolaridade e à experiência profissional. Disse que as empresas geralmente solicitam visto para trazer um profissional do exterior quando não há trabalhadores brasileiros qualificados para aquela função. Mas que, de toda a forma, o ministério verifica se há prejuízo aos trabalhadores brasileiros nessa contratação.
Fonte: O Globo