Os milhares de estrangeiros que chegarão ao Brasil para a COP-30 − a conferência da ONU sobre mudanças climáticas que acontecerá em novembro em Belém, no Pará − serão recebidos em uma região do País que exporta energia limpa, mas que consome energia suja. Com localidades isoladas e não conectadas ao Sistema Interligado Nacional (SIN) de energia, a região da Amazônia Legal atende comunidades afastadas com geração a diesel, que tem custo elevado (dividido entre todos os brasileiros) e emite gases de efeito estufa.
Além da região Norte, a Amazônia Legal engloba o Estado de Mato Grosso e parte do Maranhão. Nessa área, vivem 26,6 milhões de pessoas, das quais aproximadamente 10% são atendidas por sistemas isolados de energia e cerca de 900 mil não têm nem acesso à eletricidade.
A Amazônia Legal concentra 34% da potência hídrica do Brasil. Durante o período de chuvas, exporta energia renovável para as regiões Sudeste e Centro-Oeste. Em 2023, foi responsável por 21% da geração de energia do País, mas consumiu apenas 12%, segundo relatório dos pesquisadores Joisa Dutra e Diogo Lisbona Romeiro, do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da Fundação Getulio Vargas (FGV CERI).
No período de seca, porém, com hidrelétricas sem reservatórios de acúmulo de água, a região recorre a maior geração termelétrica e até a importação de energia do Nordeste. Segundo os pesquisadores, as mudanças climáticas devem acentuar essa variabilidade de geração de energia na Amazônia. A necessidade do uso de combustíveis fósseis e de importação, portanto, tende a aumentar.
Hoje, cerca de 86% da capacidade instalada do parque de energia dos sistemas isolados é de térmicas movidas a combustíveis fósseis (73% de diesel e 13% de gás natural). O custo da geração de um megawatt-hora gerado a diesel chega a R$ 2 mil. É um custo 472% superior ao da energia do mercado regulado do sistema interligado.
Não bastasse o custo, os sistemas isolados registraram uma média de emissão entre 2013 e 2023 de 733 quilos de gás carbônico por megawatt-hora. O número é sete vezes maior que o das emissões do sistema interligado.
“A transição energética que propalamos termos quase conquistado, comparado com outras economias do mundo, não embarcou no norte do País e principalmente na Amazônia”, diz Dutra. “Dizer que o governo não faz esforços para mudar isso não é verdade. Mas a complexidade para levar energia às localidades é grande. A densidade demográfica é diferente e, muitas vezes, outras regiões acabam sendo prioridade”, acrescenta a pesquisadora.
Historicamente, a saída para abandonar o diesel nessas comunidades isoladas foi ligá-las ao sistema nacional. Para Dutra e para Romeiro, no entanto, essa opção é cara e apresenta barreiras logísticas, como construir linhões de transmissão no meio da floresta, que retardam sua implantação. Eles apontam como melhor alternativa a instalação de microrredes de energia nas localidades. “A solução é descentralizar. Mas dar escala a essas pequenas redes ainda é uma dificuldade”, diz Romeiro.
Os pesquisadores apontam a Vila Restauração, no Acre, como uma solução bem-sucedida para o problema. “É um modelo que deveria ser replicado”, destaca Dutra.
A Vila Restauração é um vilarejo de 200 famílias em que só se chega de barco. Até 2021, os moradores só tinham energia três horas por dia, gerada sempre a diesel.
Concessionária de energia do Acre, a Energisa aplicou parte dos recursos que obrigatoriamente tem de destinar para gerar soluções energéticas para desenvolver uma microrrede na vila. Foram aplicados R$ 20 milhões em um sistema de energia solar com baterias de grande porte e biodiesel, que agora abastece a comunidade 24 horas por dia.
O sistema, segundo o gerente de desenvolvimento de produtos e soluções do grupo Energisa, Wendell Teixeira, além de ter baixo impacto ambiental, tem uma necessidade de manutenção reduzida. Isso era um pré-requisito para a solução, dada a dificuldade para se chegar ao vilarejo.
Hoje, a energia do vilarejo é gerada quase sempre pelas placas solares. Nos períodos de chuva, o biodiesel garante o abastecimento.
A Energisa levou sistemas semelhantes, mas sem biodiesel, para outras duas comunidades de Rondônia. Para algumas famílias de outras localidades, também instalou sistemas individuais.
Teixeira, porém, afirma que fornecer energia limpa para todos os sistemas isolados da região com essa mesma solução pode não ser viável financeiramente. “Mas entre 40% e 60% poderia ser possível”, diz ele.
Fonte: Estadão