O movimento de privatização no país continua a passos largos. Iniciou no governo FHC e se aprofundou durante todos os governos Lula/Dilma. Foram diversos setores da infraestrutura estatal brasileira que tiveram ativos transferidos para o setor privado.
No caso específico do Grupo Eletrobras, em função da insanidade representada pela edição da MP nº 579/2012, este passa por momentos absolutamente monumentais de fragilidade. O governo Dilma, na onda de renovação onerosa de algumas concessões, reduziu as tarifas na “esperança” de alavancar a economia. Naquela oportunidade, a situação hidrológica do sistema já apontava para aumento das tarifas conforme previsões de afluências hidrológicas da época. Como resultado, ocorreu a descapitalização das empresas do Grupo Eletrobrás. No final de junho de 2017, o Governo Federal, através da Consulta Pública Nº 33, semeou as preliminares de suas verdadeiras intenções, quando pretendeu debater o novo marco legal para a regulamentação do setor elétrico nacional. Na sequência, o Ministério de Minas e Energia anunciava ao mercado que iria vender os ativos do Grupo Eletrobras.
Neste cenário, a MP Nº 579/2012 representou um ato político e oportunista, que desprezou as orientações de inúmeros consultores renomados do pais, de variadas correntes de pensamento e deixou as empresas a qualquer sorte.
Falta isenção
Hoje sabemos que a ausência de estudos especializados mais aprofundados escondia as verdadeiras intenções do governo, que são a alienação de seus ativos no setor apenas em função dos déficits nas contas públicas.
Ora, tal postura é absolutamente incompatível com a propositura de um marco regulatório, visto representar uma distorção profunda das necessidades setoriais. Usa-se de um instituto legítimo para mascarar as verdadeiras intenções.
Nem falemos dos processos endêmicos de corrupção que assolaram o setor na última década de desgoverno. Esse fato retira a necessária isenção, aliada à notória incompetência e ao analfabetismo técnico de nossos políticos para, nesse momento, avaliar o mérito técnico dessa tal “privatização”.
Destacamos uma obviedade: o setor elétrico é estratégico para o país e temas tão relevantes como os representados pela alteração dos marcos regulatórios e eventual privatização desse setor, ou metaforicamente, como quer o governo, desestatização, não deveriam ser submetidos à apreciação, sob qualquer forma, sem estudos detalhados, calcados sob premissas técnicas, sem açodamento, num momento de turbulência política e econômica, onde os ativos energéticos estão depreciados pela incompetência dos gestores que foram responsáveis pela MP Nº 579/2012.
Estudos insuficientes
Os estudos preliminares, por melhor que tenham sido produzidos, são insuficientes para guiar o futuro do setor elétrico nacional. Especialistas e consultores da área têm afirmado que o imediatismo do governo para levantar recursos para o Tesouro não olha o setor elétrico de forma estratégica dentro de um modelo de futuro. Ao contrário, é o resultado de cartas dadas por especuladores e lobistas. Alegam também que há necessidade de fortalecimento do Órgão Regulador, a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, que mal dá conta do que já vem fazendo hoje.
Paralelamente a isso, uma serie de projetos de lei estão tramitando no Congresso Nacional, cujos objetos podem alterar, aprimorar e redirecionar o cenário da infraestrutura energética brasileira.
Outra discussão posta durante a Consulta Pública nº 33 foi a ausência de dados e de estudos técnicos que possam simular as consequências de privatização do uso das reservas hídricas brasileiras sob o aspecto navegabilidade. Assim como não dispõe de estudos que possam aferir o impacto ambiental e sócioeconômico na sobrevivência das populações ribeirinhas e de outros tantos agrupamentos sociais expostos a essas alterações.
De igual forma, a questão relacionada com a irrigação das áreas agricultáveis contíguas às reservas hídricas utilizadas para a geração energética não foi contemplada por estudos técnicos.
Também não há dados técnicos, nem simulações, nem estudos que tenham analisado a relevância do modelo híbrido estatal e privado para possibilitar a modicidade tarifária. Esse tema, aliás, é fator preponderante para investimentos, tanto públicos, quanto privados, indicando que o açodamento em mudar de forma aleatória e sem respaldo técnico adequado e suficiente, poderá nos lançar, de novo, numa aventura totalmente irresponsável.
Há ainda a ausência de estudos mostrando uma radiografia do histórico em outros países, similares ao Brasil no aspecto de infraestrutura energética, como vetor de orientação para que seja possível tomar o melhor caminho para o futuro do setor energético brasileiro.
Sem segurança e responsabilidade
Merece destaque o fato de que estamos nos referindo à decisão concreta de venda dos melhores ativos existentes nas empresas públicas responsáveis pelo gerenciamento do setor energético nacional, deixando aqueles ativos ultrapassados ou não atrativos economicamente, como “sucata” para o governo continuar administrando.
Esta é a lógica direta do mercado: o capital procura o caminho mais fácil e os melhores investimentos sob o ponto de vista da lucratividade, fugindo daqueles investimentos com baixo retorno econômico ou que necessitam de um longo prazo para poder apresentar esse retorno. Sob essa perspectiva, mais uma, não há estudos específicos que delineiem o caminho a ser seguido com segurança e responsabilidade.
O rumo que um debate fundamental como este está tomando, assemelha-se à privatização do setor de telecomunicações, que embora tenha vindo acompanhado por avanços, demonstra-se incontrolável e é campeão insuperável de denúncias nos órgãos de defesa do consumidor. Veja-se que o mau atendimento em telecomunicações possui impactos muito menos nocivos que um mau atendimento num eventual setor energético alterado atabalhoadamente, sem estudos técnicos suficientes.
Mobilização
Nesse momento, é necessária a mobilização permanente de todos os atores responsáveis pelo gerenciamento do setor, de modo a impedir a sua espoliação. O Senge, a FNE e outras entidades parceiras, a exemplo da ABEE estão trabalhando no sentido de barrar a iniciativa do governo por entender que a manutenção do modelo híbrido estatal e privado é benéfica para o Brasil, garantindo a modicidade tarifaria e a continuidade pacífica do uso múltiplo das águas.
José Antônio Latrônico Filho – Diretor do Senge-SC