No início da madrugada de 20 de maio, a Câmara dos Deputados concluiu a votação da Medida Provisória (MP) 1031/21 que, por 313 a 166 votos, viabiliza a privatização da Eletrobrás, patrimônio dos brasileiros. A já nomeada MP do apagão disponibilizará para venda um complexo lucrativo, responsável por 30% da geração de energia elétrica no país.
O próximo passo é o envio da matéria ao Senado, onde acreditamos que o equívoco possa ser barrado. Todos os destaques apresentados na plenária ao texto do relator, deputado federal Elmar Nascimento (DEM-BA) foram rejeitados. Deputados contrários, com poucos argumentos fundamentados e quase nada persuasivos, não conseguiram alterar o cenário.
O modelo aprovado na MP estabelece o prazo de exploração de 30 anos para as usinas do grupo, a ser contado a partir da assinatura dos novos contratos. A sanha arrecadatória do governo federal espera um montante de R$ 100 bilhões com a privatização. Segundo especialistas do setor, o aumento de tarifa será inevitável, além do risco do apagão, como aconteceu recentemente no Amapá, que gerou grandes transtornos à sociedade local.
O deputado Elmar, relator da MP, incluiu um dispositivo para permitir aos empregados demitidos na reestruturação da empresa optarem, em até 6 meses da demissão, pela compra de ações com o dinheiro da rescisão trabalhista, a um preço equivalente ao de 5 dias antes da edição da MP (fevereiro). A União poderá ainda aproveitar os empregados em outras empresas do setor que continuarem sob seu controle, como Itaipu.
A operação acionária de capitalização da Eletrobrás só ocorrerá após a transformação da MP em forma de Lei, mas o BNDES já pode iniciar os estudos para a emissão das novas ações. Mesmo após a capitalização, as garantias concedidas pela União à Eletrobrás e a suas subsidiárias continuarão valendo para os contratos firmados anteriormente.
O ministro Bento Albuquerque tem vendido a ideia de que o processo de privatização da Eletrobrás pode ser um modelo para outras privatizações. “Esse perigoso equívoco pode se tornar realidade porque, infelizmente, existe no Congresso Nacional um ambiente político favorável”, avalia o presidente do Senge-SC, José Carlos Ferreira Rauen.
Segundo Rauen, cabe à sociedade organizada, auxiliada por um corpo técnico que tenha razoável conhecimento do setor elétrico brasileiro, apontar os equívocos da iniciativa e tentar junto aos senadores dar outro rumo ao valioso patrimônio nacional. José Antônio Latrônico Filho, diretor de Formação Sindical do Senge-SC, também lamentou o resultado. “A Eletrobrás é empresa estratégica do País e seu valor de mercado é muito maior do que estão apontando.”
“Deve-se começar apontando o valor real das 48 usinas hidrelétricas e seus reservatórios de extrema e soberana relevância para a sociedade brasileira. O domínio ou mesmo o controle sobre a água desses reservatórios – cujo valor é de difícil mensuração – sugere um prejuízo social sem precedentes”, afirma o presidente do Senge-SC. Segundo ele, seja para a regularização em prol da otimização energética, seja para usos múltiplos e agora, com o advento do crescimento da energia fotovoltaica, a importância será impar se operada para firmar energias intermitentes.
Outro ponto que deve ser observado pelos especialistas é o arcabouço existente de linhas de transmissão estruturantes, que interligam um país de dimensões continentais, garantindo energia de qualidade e estável para todos os brasileiros. Também podemos ressaltar as interligações com países de fronteiras, garantindo trocas em períodos críticos hidrológicos e mantendo boas e necessárias relações diplomáticas.
Outro ponto importante e que evidencia o lamentável desconhecimento – sob a ótica técnica do setor elétrico brasileiro e, em especial relevância, a Eletrobrás – foi o fato de não ter sido tratada na Câmara dos Deputados a questão das fibras óticas, mercado bilionário, obscuro e recheado de outros interesses, onde as empresas Furnas, Chesf, Eletronorte e CGT Eletrosul são cedentes.
Cabe a nós, na urgência que o caso requer, a missão de mostrar a verdade, com objetividade, os bons frutos que este patrimônio público e estratégico pode continuar entregando à sociedade brasileira
Foto: Pablo Valadares