A iniciativa de medir anualmente as emissões de gases de efeito estufa está avançando entre as empresas no Brasil. Dados mais recentes da Fundação Getulio Vargas (FGV) mostram que 1,3 mil inventários de emissões referentes a 2024 (divulgados em 2025) foram publicados na plataforma Registro Público de Emissões, gerida pela instituição. O número, considerado recorde, ultrapassa os 986 documentos registrados no ano anterior.
A plataforma apontou ainda que o volume de companhias brasileiras engajadas na metodologia cresceu. Este ano foram 674 organizações a publicar inventários, ante 568 em 2024.
Houve organizações que publicaram mais de um inventário, de diferentes unidades pertencentes à mesma empresa, ressalta a FGV. O grupo de companhias é formado por instituições de diversos setores do mercado, entre indústrias e organizações de serviços jurídicos.
As informações sobre o cenário da descarbonização foram antecipadas ao Estadão pelo Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV (FGVces), que fará divulgação detalhada dos dados no Evento Anual do Programa Brasileiro GHG Protocol – Ciclo 2025, na tarde desta terça-feira, 5, em São Paulo (SP).
Os números apontam o crescimento da relevância da agenda ambiental nas companhias, uma vez que a adesão das empresas à iniciativa é voluntária, avalia Guilherme Lefevre, porta-voz do mapeamento na FGV. Segundo ele, parte dessa relevância vem sendo demandada por investidores, clientes e órgãos reguladores.
“Temos visto um interesse crescente das organizações no Brasil (pelo tema), desde 2020, no qual, por conta da chegada mais forte da agenda ESG, muitas empresas olharam mais para a questão climática. E o ponto de partida para isso é o diagnóstico. Elas, então, adentraram nessa agenda de mudanças climáticas por meio da realização do inventário”, afirma o pesquisador.
Medição no Brasil
Os dados reunidos na plataforma da FGV fazem parte do Programa Brasileiro GHG Protocol, responsável pela adaptação do método global GHG Protocol para o contexto nacional. Originalmente, as métricas foram desenvolvidas por meio de uma parceria entre as organizações internacionais World Resource Institute (WRI) e World Business Council for Sustainable Development (WBCSD).
Lefevre, que é gestor do Programa Brasileiro GHG Protocol, explica que, além da padronização, a FGV disponibiliza gratuitamente a orientação técnica necessária às empresas para o cálculo das estimativas de emissões de gases do efeito estufa corporativas, por meio de manuais.
Com consulta aberta ao público, o Programa Brasileiro GHG Protocol mantém arquivados inventários registrados pela metodologia desde 2008. No início da série histórica, apenas 23 empresas publicaram os seus documentos, que seguem disponíveis na plataforma.
Os inventários deste ano confirmam que as emissões de escopo 3, aquelas produzidas de forma indireta pelas empresas, são o maior desafio enfrentado pelas companhias.
Pela segunda vez consecutiva, um volume superior a 1 bilhão de toneladas de dióxido de carbono equivalente (tCO₂e) foi emitido por elas, somadas. No escopo 1, referente às emissões diretas, o número contabilizado é bem menor. Juntas, as empresas emitiram pouco mais de 200 milhões de tCO₂e.
No recorte por setor, as emissões predominantes estão relacionadas à climatização, como o uso de ar-condicionado nos setores de serviços financeiros, de educação e de comércio. Já no casos da indústria e da agropecuária, essas emissões estão associadas à queima de combustíveis fósseis em caldeiras.
Empresas de destaque
Segundo informações da plataforma, somente 10 empresas publicaram inventários de emissões anualmente, sem interrupções, desde 2008: Alcoa, Anglo American, Banco do Brasil, Bradesco, Copel, EDP, Grupo Boticário, Itaú, Natura e Suzano.
Mais do que medir emissões, os números obtidos em quase duas décadas têm sido utilizados na prática. Segundo o diretor de ESG do Grupo Boticário, Luis Meyer, o controle do que tem sido emitido durante esse tempo tem orientado decisões estratégicas e operacionais da empresa, de modo a fortalecer a transição para uma economia de baixo carbono.
Em maio, o grupo informou ter avançado em 6% na redução de emissões no escopo 3, tendo como meta reduzir 17% delas até 2030. “O processo (de inventariar) nos permite identificar e classificar as fontes mais relevantes de emissões em todas as unidades, desde fábricas até os centros de distribuição e lojas”, explica o gestor. “Essa governança sólida nos dá clareza sobre os impactos da nossa cadeia de valor e fundamenta ações mais eficazes de mitigação em toda a operação.”
Historicamente, o setor que mais publica inventários é o da indústria de transformação. Atualmente, o segmento equivale a 27% do total de companhias participantes do programa, com 182 empresas registradas na iniciativa.
A maior parte delas (70%) possui selo Ouro, qualificação dada pelo programa aos destaques em nível de transparência. Os demais selos concedidos são Prata e Bronze.
Na metalurgia, que integra o setor de transformação, a Gerdau é uma das empresas que receberam o selo Ouro no ano passado. A qualificação foi dada pela segunda vez à companhia, que começou a publicar inventários na plataforma recentemente, desde 2022.
Para a gerente-geral de meio ambiente da companhia, Cenira Nunes, mesmo sendo uma adesão voluntária, a Gerdau tem visto a iniciativa como uma forma de contribuir com sua meta de descarbonização.
Até 2031, a empresa pretende diminuir suas emissões para 0,82t CO₂e por tonelada de aço. Hoje, esse índice é de 0,85t CO₂e a cada tonelada do metal.
“A Gerdau realiza voluntariamente o inventário de emissões como parte de seu compromisso com uma gestão contínua e transparente de suas ações frente às mudanças climáticas”, diz Nunes. “(Isso tem permitido) monitorar e reduzir as emissões dos gases de efeito estufa das operações, contribuindo para a meta de descarbonização da organização e para os compromissos de nossas partes interessadas, como os clientes.”
Fonte: Estadão