O setor de distribuição de energia se prepara para grandes mudanças nos próximos anos. Ações para combater o furto de cabos e instalações clandestinas, iniciativas para o enfrentamento de eventos climáticos extremos, como tempestades, enchentes e ondas de calor, além da digitalização de redes, passarão a ter regras específicas nos novos contratos de concessão das empresas Brasil afora.
Hoje, há 19 companhias em processo de renovação de contratos, cujos compromissos atuais têm encerramento previsto entre este ano e 2031, de acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Os temas foram demanda das próprias companhias, que vêm pedindo ao regulador o reconhecimento desse tipo de aporte para poder repassar o custo às tarifas e melhorar sua situação financeira, explicam especialistas.
Na mesa de negociações, segundo a Aneel, os aditivos vão prever a criação de um conjunto específico de iniciativas para mitigar efeitos de eventos climáticos, como metas de eficiência a serem cumpridas pelas distribuidoras na recomposição do serviço após interrupções motivadas por chuvas e ventos, e plano diferenciado para áreas com elevado índice de furto de energia.
O objetivo, diz o regulador, é permitir a sustentabilidade econômica e financeira das empresas. Por outro lado, os consumidores terão mais participação no desenvolvimento dos planos de ação das distribuidoras, que preveem investimentos a partir de consultas que deverão ser realizadas pelas concessionárias durante o ciclo tarifário de quatro anos cada.
O setor, avalia Bruna Correia, sócia de Energia do BMA Advogados, sentirá efeito das mudanças estruturais trazidas pela nova regulação. Ela lembra que, até o fim da década, há ainda a discussão da abertura total do mercado livre, no qual os consumidores poderão escolher o fornecedor de energia que irão contratar.
Hoje, somente médias e grandes empresas têm liberdade para comprar energia de companhias distintas da distribuidora local.
— Há ainda a mudança de perfil do consumidor, mais ativo e exigente. Isso se traduz na realidade de que as distribuidoras cada vez mais se distanciam do seu papel tradicional de operadoras de rede e se tornam operadoras do sistema de distribuição — destaca.
E acrescenta:
— É imprescindível que a prorrogação (de contratos) das distribuidoras se consolide de forma a acompanhar essas mudanças setoriais, a partir de uma estrutura tarifária que assegure a sustentabilidade das atividades de fio e de energia, e que traga alocação equilibrada de custos e riscos associados à confiabilidade do sistema.
Marcos Madureira, presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), diz que os aportes já vêm aumentando: passaram de R$ 18 bilhões em 2021 e devem alcançar R$ 39 bilhões neste ano. Até 2028, antecipa ele, o total previsto é de R$ 145 bilhões.
Madureira destaca que 40% desse valor serão apenas para a modernização e a digitalização da rede, de forma a permitir, por exemplo, a identificação automática de falhas e a religação das redes sem necessidade de deslocamento de equipes:
— Criamos um plano para enfrentamento de eventos climáticos extremos, com a participação de importantes consultorias para melhorar a capacidade de previsão e análise meteorológica, compatibilizar infraestruturas urbanas com novas situações climáticas, aumentar a resiliência de redes, assim como de melhores práticas para recomposição do sistema, comunicação em crises e ações preventivas para fortalecimento da rede.
O furto de energia é outra preocupação. Estima-se que apenas em 2024 as perdas chegaram a quase 17% do volume de energia do mercado de baixa tensão (o de residências e pequeno comércio ou indústria), total que equivale ao dobro da geração da usina de Belo Monte, no Pará.
— As distribuidoras têm feito investimentos expressivos para mitigar essas perdas. Entre as iniciativas estão a intensificação de inspeções, modernização e blindagem das redes, além da adoção de tecnologias de inteligência que permitem identificar, com mais precisão, as áreas com maior probabilidade de irregularidades. Mesmo diante de custos muitas vezes superiores aos reconhecidos pela tarifa, as empresas têm investido no combate às perdas — destaca Madureira.
Segundo a Enel, em processo de renovação de suas concessões em São Paulo, Rio de Janeiro e Ceará, o maior desafio do setor é tornar a rede mais resiliente. Para isso, a companhia, que registrou interrupções no fornecimento de energia após fortes chuvas em São Paulo recentemente, vem apostando no uso da tecnologia e aumentando as podas preventivas próximas à rede.
Além disso, tem reforçado seu quadro de profissionais em campo. Até o fim de 2026 serão cinco mil em suas áreas de operação.
— O investimento em tecnologia para tornar a rede mais resiliente tem sido frequente. E temos aumentado as ações preventivas, como as podas de galhos e árvores próximas à rede. Um dos principais fatores de interrupção de energia em situações de ventos fortes e tempestades é a queda de galhos e árvores na rede elétrica. Em São Paulo, dobramos o número de podas no ano passado, superando 600 mil — afirma Antonio Scala, CEO da Enel Brasil, empresa que atende a 15 milhões de clientes em 274 municípios.
‘Cenário desafiador’
A EDP, que acaba de renovar seu contrato de concessão no Espírito Santo por 30 anos, avança no plano de investimentos. A companhia pretende, até 2030, alocar R$ 10 bilhões nas operações de São Paulo e ES. Segundo Dyogenes Rosi, vice-presidente de Distribuição da EDP, o mundo vive a década decisiva para o futuro do planeta, e a energia tem papel central nisso.
— Estruturamos um plano de resiliência climática que contempla ações desde a formação de equipes para emergências até o uso de redes inteligentes, medição remota e digitalização para tornar a rede mais responsiva. Temos ainda iniciativas estratégicas para o combate às fraudes, que incluem o uso de inteligência artificial, e ampliação de pontos de blindagem mecânica nas instalações de grandes cargas — lista Rosi, lembrando que o contrato da operação em São Paulo vence em 2028, mas a diretoria da Aneel já confirmou a renovação.
Com mais de nove milhões de clientes em Minas Gerais, a Cemig também foca em reforço da rede. Um dos pilares é a digitalização. A meta é ampliar de 400 mil para mais de 1,5 milhão o número de medidores inteligentes em funcionamento e instalar mais de 3.600 religadores automáticos, que permitem o acionamento remoto.
Para este ano, o segmento de distribuição deve receber R$ 4,7 bilhões em investimentos, superando os R$ 4,4 bilhões de 2024.
Em nota, a companhia diz que, “para 2025, o cenário continuará desafiador, com a intensificação das exigências regulatórias, maior pressão por eficiência operacional e a expectativa de novos eventos extremos. Vamos ampliar investimentos, reforçando o plano de modernização da rede, expandindo a automação, fortalecendo ações preventivas e promovendo a digitalização da operação”.
— O setor de distribuição vive um momento de profundas transformações, impulsionado por fatores como a necessidade de modernização das redes, a pressão regulatória por melhoria contínua nos indicadores de qualidade e a intensificação de eventos climáticos extremos — diz Reynaldo Passanezi Filho, presidente da Cemig.
A Light, cuja controladora está em recuperação judicial, investiu no primeiro trimestre R$ 288 milhões em distribuição, alta de 70,8% ante a igual trimestre de 2024. Esse aumento reflete “a priorização de investimentos na expansão e manutenção da rede, garantindo a qualidade do fornecimento e a eficiência operacional”, afirma a companhia, outra em processo de renovação de contrato.
Fonte: O Globo