O maior desafio que os países enfrentam na transição para a busca de fontes limpas de energia não é técnico, mas institucional. Barreiras regulatórias para adoção de novas fontes de energia e subsídios a combustíveis fósseis são alguns dos obstáculos que impedem um avanço mais rápido desse movimento.
A avaliação é de Vitelio Brustolin, pesquisador em Harvard (Direito e História da Ciência), professor adjunto em Columbia e professor de Relações internacionais na Universidade Federal Fluminense (UFF). Brustolin é PhD em Políticas Públicas, Estratégia e Desenvolvimento. Ele será um dos palestrantes do Energy Summit, evento que acontece no Rio, na próxima semana, para debater os caminhos da transição energética.
Qual o maior desafio que os países enfrentam na transição energética?
O maior obstáculo não é técnico, mas institucional: infraestruturas centralizadas, subsídios a combustíveis fósseis e barreiras regulatórias trazem inércia aos processos de adoção de fontes renováveis.
Existe um modelo único de transição que todos os países poderiam adotar?
Não há modelo universal. Cada país deve buscar um caminho sustentável adaptado a suas condições: infraestrutura, recursos naturais, matriz energética e capacidade institucional. Modelos descentralizados funcionam em economias com fontes renováveis locais, outras precisam combinar fontes centralizadas como hidro, nuclear ou gás.
Países que adotam os 4Ds (descarbonização, digitalização, descentralização e democratização) em seus processos de transição energética saem na frente?
Sim, os quatro Ds são essenciais, independentemente do modelo de transição. Países que investem em inovação digital, redes inteligentes (sistemas de distribuição de energia elétrica que utilizam tecnologias digitais, como sensores, software e comunicação, para otimizar a geração, transmissão e distribuição de eletricidade) e empoderamento comunitário estão mais bem posicionados para a transição.
Como o crescimento do uso da inteligência artificial (IA) amplia esse debate, considerando a demanda por alto consumo de energia?
A IA demanda uso crescente de energia, e data centers já consomem fatia expressiva do total, podendo dobrar até 2030. Contudo, há oportunidades, já que a IA pode otimizar redes inteligentes, prever falhas, reforçar integração de renováveis.
Mas há riscos de maior pressão por uso de IA e descarbonização, não?
Sim. Há pressão crescente da demanda por IA e a urgência da descarbonização. Países com redes antigas ou dependentes de fósseis correm o risco de enfrentar crises de fornecimento de energia e atraso tecnológico. Se as fontes energéticas forem carvão ou gás, por exemplo, isso ampliará emissões. A corrida por uso de IA cria vulnerabilidades na infraestrutura energética de algumas nações, aumenta o lixo eletrônico (e-waste), além de desigualdade de acesso e ameaças à segurança cibernética.
Na Europa, há dificuldades em encontrar fontes de energia limpas. Quais os caminhos discutidos para a transição?
Algumas soluções discutidas na Europa passam por diversificar fontes, incluindo a nuclear, hidrogênio verde, geotérmica, renováveis. Além disso, fortalecer a infraestrutura, com interligações transfronteiriças e armazenamento sazonal (nas hidrelétricas e de hidrogênio). Por fim, reformar marcos regulatórios para permitir geração descentralizada e redes inteligentes.
Que tipo de empresas os investidores de capital de risco em energia têm procurado?
O foco do mercado tem sido startups que congreguem ou priorizem tecnologias verdes como eletrolisadores (dispositivo que usa eletricidade para separar a água em hidrogênio e oxigênio por meio do processo de eletrólise), fontes renováveis, eficiência energética; infraestrutura digital, redes inteligentes, IA para gestão de energia e hidrogênio verde.
O Brasil com matriz elétrica limpa de quase 90% acaba sendo atrativo para esses investidores?
Sim. O Brasil conta com matriz limpa (hidro, solar, eólica, bioenergia), atraindo fundos ou investidores interessados em soluções escaláveis, eletrolisadores e IA aplicada à gestão de redes e produção energética. O potencial de exportação de hidrogênio verde do país impulsiona o interesse.
Quais as vantagens do Brasil no processo de transição?
O Brasil tem vantagens em relação à maioria dos países. Com abundância de recursos renováveis e setor energético já relativamente limpo, o país pode ser um dos líderes na produção de hidrogênio verde. Também pode desenvolver soluções locais de IA e redes inteligentes e expandir investimentos atraindo investidores de risco até grandes fundos de infraestrutura.
Fonte: O Globo